2025-06-04
Por Juliano Ventura
A Alemanha está em ponto morto — e isso preocupa toda a Europa. Como maior economia da UE, representando cerca de 24% do PIB do bloco, o seu desempenho influencia diretamente os restantes países, incluindo Portugal, que depende fortemente do investimento alemão e das exportações para este mercado. Mas o outrora motor da Europa enfrenta agora sérios entraves: crise energética, perda de competitividade, envelhecimento populacional e excesso de burocracia. Sem reformas profundas, o abrandamento alemão pode tornar-se um travão prolongado para toda a União Europeia.
1. Introdução
O motor da economia da UE está avariado. A economia alemã está praticamente estagnada desde 2019, antes da pandemia, interrompendo um longo período de crescimento económico sustentado que impulsionou também o crescimento das restantes economias do espaço económico europeu.
O crescimento alemão antes da estagnação foi sustentado, sobretudo, pelo forte desempenho industrial, assente em processos produtivos eficientes e na capacidade de exportação. O setor automóvel é talvez o melhor exemplo de um modelo económico que consolidou a reputação da Alemanha como uma potência económica inabalável. Contudo, o cenário mudou de forma significativa após 2019.
Este pobre desempenho dos últimos anos reflete vários desafios estruturais e conjunturais enfrentados pela economia alemã, a dependência de setores industriais vulneráveis às perturbações geopolíticas e de cadeias de abastecimento, a forma como se pensou a transição energética, a dificuldade em inovar, a rigidez em adaptar-se rapidamente à digitalização, etc. Além disso, o impacto da guerra na Ucrânia e a crise energética subsequente agravaram a incerteza e o custo da energia, afetando negativamente a competitividade da indústria alemã.
Mais do que nunca, a economia alemã enfrenta o desafio de reinventar-se para preservar o seu papel de liderança no contexto europeu e internacional. A tendência observada levanta preocupações sobre a capacidade da Alemanha continuar a ser o motor económico da Europa, especialmente num contexto global em rápida transformação, o que também nos impacta a nós, portugueses. Daí a relevância deste artigo.
2. Qual a importância da Alemanha na União Europeia?
A economia da Alemanha é, sem dúvida, o motor que impulsiona a União Europeia, sendo fundamental para o crescimento e a estabilidade do bloco. É a maior economia da UE (pesa cerca de 24% na economia da UE) e a terceira maior do mundo[1], para além apresentar um PIB per capita, em paridade de poderes de compra, acima da média do espaço económico. Em 2024, a economia alemã era a sexta economia da UE que produzia mais riqueza por habitante em paridade de poderes de compra, sendo que cada alemão produziu, em média, +15% do que a média na UE (se considerarmos os países com pelo menos 20 milhões de habitantes, a Alemanha é o único acima da média da UE)
Este peso confere ao país germânico um papel central tanto nas questões internas do bloco quanto nas políticas externas da União. A sua influência é visível em várias áreas-chave, como o comércio, a política monetária e as finanças públicas.
A Alemanha é particularmente forte nos setores automóvel, maquinaria, equipamentos eletrónicos e produtos químicos, com empresas globalmente reconhecidas, como a Volkswagen, a BMW, a Mercedes-Benz, a Siemens e a Bayer, entre outras. Estas e muitas outras empresas têm subsidiárias com um peso muito grande na economia de outros países da UE, que por sua vez fazem negócio com empresas locais, o que gera um efeito dominó, criando empregos e sustentando a atividade económica em muitos outros países do bloco. A saúde das empresas alemãs é essencial para o crescimento económico de várias economias da UE.
O comércio intra-UE é vital para os estados-membros, e a Alemanha desempenha um papel central nesse comércio. É o maior parceiro comercial de muitos estados-membros da UE e o mercado livre da UE, livre de tarifas comerciais, permite que a Alemanha exporte para outros países de forma eficiente, gerando um ciclo de crescimento que beneficia toda a região.
Para além disso, a capacidade da Alemanha absorver, pelo menos até há pouco tempo, choques económicos, crises financeiras ou desacelerações globais, tem um efeito estabilizador no bloco, evitando crises de confiança que possam afetar toda a economia da UE.
Como maior economia da Zona Euro, a Alemanha tem também uma influência considerável sobre as políticas monetárias da União Europeia, especialmente em relação ao BCE, que tem sede em Frankfurt. A Alemanha tem sido uma defensora da estabilidade do euro e durante a crise da dívida soberana na Zona do Euro, desempenhou um papel decisivo nas negociações sobre pacotes de resgate para países em dificuldades, como Portugal, Grécia e Irlanda, impondo condições de austeridade em troca do apoio financeiro. Apesar das dificuldades enfrentadas pela moeda única, a Alemanha manteve-se sempre fiel ao projeto, e é essencial que assim continue para que a união económica não desmorone. Os problemas económicos na Alemanha têm dado relevância a derivas populistas que põem em causa a continuidade do país no projeto europeu, algo que não deve ser desvalorizado.
A postura fiscal rigorosa da Alemanha, caracterizada por orçamentos equilibrados e pela limitação do défice público, tem também moldado as políticas fiscais da UE, influenciando as normas que os Estados membros devem seguir.
3. Qual a importância da economia alemã para Portugal?
Como estado-membro da UE, Portugal não foge ao que foi escrito no capítulo anterior, no entanto, sendo o nosso país, importa detalhar um pouco mais a importância da economia alemã para Portugal.
A Alemanha ocupa uma posição estratégica nas relações económicas de Portugal, sendo um dos seus principais parceiros comerciais e uma fonte significativa de investimentos. A relação entre os dois países é de grande importância tanto para as exportações portuguesas quanto para a atração de capital estrangeiro.
Em 2024, a Alemanha foi o segundo maior destino das exportações portuguesas de bens, logo após a vizinha Espanha. Foi responsável por mais de 12% das exportações totais de bens de Portugal, com um valor de quase 10 mil milhões de euros. As exportações mais representativas para a Alemanha incluem máquinas e outros bens de capital (43%), bens de consumo (31%), fornecimentos industriais (25%) e produtos transformados (24%). Este comércio é fundamental para o crescimento do setor exportador português e o mercado alemão oferece a Portugal uma base sólida para a sua diversificação, especialmente nos setores industriais e agroalimentares.
Além das exportações, a Alemanha desempenha um papel significativo no investimento em Portugal. O Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em Portugal atingiu os 9,4 mil milhões de euros no 4.º trimestre de 2024, e muito do investimento efetuado pelas subsidiárias de empresas alemãs em Portugal nem entra nestas contas. Portugal tem atraído investimentos avultados de empresas alemãs, especialmente nos setores automóvel, de energia renovável, de tecnologia ou de turismo. Grandes multinacionais alemãs, como Volkswagen, Siemens, Bosch e Henkel, têm presença forte em Portugal, contribuindo para a criação de empregos e o desenvolvimento de setores chave da economia.
A Volkswagen, por exemplo, tem uma fábrica em Palmela que é uma das maiores e mais importantes do grupo em termos de produção de veículos. A AutoEuropa já investiu mais de 5 mil milhões de euros em Portugal (preços atuais), impulsionou o desenvolvimento da indústria de componentes automóveis, que hoje conta com mais de 300 empresas, é um dos maiores empregadores no nosso país, com mais de 5.000 trabalhadores diretos e um número superior de trabalhadores indiretos, as suas exportações representam mais de 15% das exportações portuguesas, contribui para a transferência de tecnologia para o nosso país e é uma das empresas que mais investe na formação profissional dos seus trabalhadores.[2][3][4]
Além do investimento direto, a Alemanha é um parceiro estratégico para Portugal no que diz respeito à colaboração empresarial em diversas indústrias. Empresas portuguesas e alemãs colaboram em vários projetos, particularmente nas áreas de tecnologia, inovação e sustentabilidade. O setor da mobilidade elétrica e das energias renováveis são alguns dos exemplos em que as empresas de ambos os países têm unido esforços para desenvolver soluções sustentáveis para o futuro.[5][6]
Outro ponto relevante na relação económica entre os dois países é o turismo. A Alemanha foi o segundo principal mercado emissor de turistas para Portugal em 2024 (11,3% do total de dormidas de estrangeiros em Portugal), contribuindo para o setor de serviços e para a economia local. O número de turistas alemães em Portugal tem aumentado ao longo dos anos, especialmente nas regiões do Algarve, Lisboa e Porto. Esse fluxo turístico beneficia o comércio local, a hotelaria, o transporte e outros serviços associados.
O turismo alemão não só representa uma fonte importante de receitas para o país, mas também fortalece a imagem de Portugal como um destino turístico de qualidade, atraente para turistas europeus que procuram variedade, segurança e uma excelente oferta cultural e gastronómica.
Os benefícios da relação com a Alemanha são claros, incluindo o fortalecimento das exportações, o aumento do investimento direto, a colaboração empresarial e mais turismo. No entanto, existem também desafios. A dependência de Portugal das exportações para a Alemanha pode tornar o nosso país vulnerável a crises económicas no país germânico. Além disso, o forte foco em setores como o automóvel pode limitar a diversificação das exportações portuguesas.
4. Como tem sido o desempenho económico da Alemanha ao longo dos últimos anos?
A economia alemã, tida como o motor económico da União Europeia, apresenta sinais claros de estagnação nos últimos anos, em contraste com a trajetória positiva registada nas primeiras duas décadas do século.
Se entre 2000 e 2019, o PIB alemão cresceu 1,3% ao ano em termos reais, entre 2019 e 2024, essa taxa de crescimento baixou para apenas 0,1%.[7] Praticamente estagnação! O PIB alemão está praticamente ao mesmo nível do que se verificava antes da pandemia, tendo mesmo contraído nos últimos dois anos (-0,3% em 2023 e -0,2% em 2024).
Per capita e em paridade de poderes de compra, a realidade não é melhor, até é pior. Entre 2000 e 2019, o PIB per capita da Alemanha cresceu 25%, ligeiramente abaixo do crescimento médio da UE (+28%) e dos EUA (+26%) e acima do crescimento médio do Reino Unido (+21%) e da França (+16%). Entre 2019 e 2024, o PIB per capita alemão, em paridade de poderes de compra, recuou 2%, uma quebra que contrasta fortemente com o crescimento de +9% nos EUA e +5% em média da UE (quadro abaixo).
5. O que explica esta evolução?
Crise Energética e Dependência Externa
Um dos principais fatores que ajuda a explicar a recente estagnação da economia alemã é a crise energética e a forte dependência externa alemã de fontes de energia, particularmente do gás natural russo. Durante décadas, a Alemanha construiu grande parte da sua competitividade industrial com base em energia abundante e relativamente barata, proveniente sobretudo da Rússia. Esta dependência revelou-se um ponto frágil, devido às tensões geopolíticas internacionais que já eram relevantes antes mas que se agravaram em larga escala após a invasão russa da Ucrânia em 2022. Os fluxos de gás natural da Rússia foram abruptamente reduzidos devido às sanções impostas pela UE ao país agressor, forçando a Alemanha a procurar alternativas mais dispendiosas.
O impacto foi enorme: os custos energéticos dispararam (preço do gás natural mais do que duplicou, face ao que eram os valores habituais entre 2015 e 2020), penalizando severamente os setores industriais intensivos em energia — como a indústria química, metalúrgica e automóvel — pilares fundamentais da economia alemã. Muitas empresas viram-se obrigadas a reduzir produção, deslocalizar operações ou suspender investimentos.
Por outro lado, a tentativa de acelerar a transição energética, embora necessária, tem colocado múltiplos desafios, uma vez que a Alemanha optou pelo encerramento de centrais nucleares e a carvão, com o objetivo de descarbonizar a economia e cumprir as metas climáticas.[8] Os germânicos desligaram o seu último reator nuclear em 2023 e planeiam eliminar gradualmente o carvão até 2030 mas, por exemplo, um relatório deste ano da Instituto Oeko, elaborado por vários especialistas em transição energética de universidades alemãs, destaca que “o encerramento de centrais nucleares e a carvão, enquanto a construção de alternativas a gás está atrasada, representa um obstáculo significativo para a segurança energética do país”.[9] Para piorar a situação, a substituição por fontes renováveis — como a eólica e a solar — tem sido mais lenta do que o desejado, devido a entraves burocráticos, problemas de planeamento e resistência local à instalação de infraestruturas.[10]
Criou-se um duplo problema: por um lado, o país viu os preços da energia importada aumentar de forma significativa, com a aquisição de gás natural liquefeito (GNL), muitas vezes a preços elevados, vindo de mercados como os EUA ou o Catar; por outro, passou a produzir muito menos energia internamente. Este contexto contribuiu para agravar a incerteza, travar o investimento e enfraquecer a posição competitiva da indústria alemã, muito dependente de fontes de energia baratas.
Face aos persistentes desafios energéticos, a Alemanha poderá rever algumas das decisões tomadas no âmbito da sua transição energética. Berlim já reativou temporariamente várias centrais a carvão, e cresce agora a pressão para que o encerramento definitivo destas infraestruturas possa ser adiado. Embora a descarbonização continue a ser um objetivo estratégico, a segurança do abastecimento energético está, com o novo governo, a ganhar maior peso nas prioridades políticas.[11]
Perda de competitividade
Outro dos aspetos mais preocupantes da economia alemã é a crescente perda de competitividade, que tem sido impulsionada por uma combinação de fatores internos e externos. A produtividade sempre foi um dos alicerces da força económica da Alemanha, ajudando o país a destacar-se como uma das principais economias industriais do mundo. No entanto, nos últimos anos, a Alemanha tem enfrentado uma desaceleração alarmante nesse indicador, o que tem gerado preocupações sobre a capacidade de sustentar a sua posição em termos de competitividade mundial a longo prazo.
De acordo com dados da OCDE, a produtividade por hora trabalhada na Alemanha cresceu a uma taxa média de apenas 0,31% ao ano desde 2019, cerca de cinco vezes menos do que a taxa de crescimento dos EUA (1,61%). Em média na UE, a taxa média de crescimento anual foi de 0,44%.
Esta evolução da produtividade é insuficiente para manter a economia alemã competitiva, especialmente quando comparada ao desempenho de outras economias avançadas, como os EUA e a China, que competem com a Alemanha para garantirem um papel determinante em termos de inovação e eficiência de processos.
Este desaceleramento da produtividade tem impactos óbvios na indústria alemã, com tudo o que isso implica na economia. A produção industrial atingiu um máximo no final de 2017 e desde então tem estado em trajetória descendente, mesmo que se exclua o período da pandemia. Entre novembro de 2017 e fevereiro de 2025, o índice de produção industrial caiu cerca de 17%, e mesmo que a comparação seja feita com janeiro de 2015 (há uma década), o índice está 11% abaixo.
Este dado é particularmente relevante, pois a indústria é responsável por uma grande parte das exportações alemãs, e a sua desaceleração pode ser um indicador de uma perda de competitividade internacional num setor vital para o país. A preços constantes, o valor mensal das exportações alemãs recuperou favoravelmente da pandemia e em meados de 2022 já se exportava cerca de +7% do que no pré-pandemia. No entanto, os últimos anos têm sido penosos, com o valor das exportações em queda há quase três anos. Em fevereiro deste ano, o valor das exportações foi 12% inferior ao que se verificou em junho de 2022.
O setor automóvel, tradicionalmente um dos motores da economia alemã, está particularmente vulnerável. A transição para veículos elétricos exige investimentos massivos em novas tecnologias e a reestruturação das fábricas, uma tarefa que exige não apenas capital, mas também uma transformação da força de trabalho e do ambiente regulatório. Embora empresas como a Volkswagen, a Mercedes e a BMW estejam a tentar acompanhar a transição para os carros elétricos, o ritmo da mudança é desafiado pela concorrência de empresas como a Tesla, que já estabeleceu uma presença forte no mercado global de veículos elétricos, e de novos concorrentes chineses.
Outro setor em que a Alemanha tem perdido terreno é o de semicondutores. A falta de investimentos contínuos em inovação e a dependência de importações para componentes chave colocam a indústria alemã numa posição vulnerável frente aos EUA e à Ásia. A escassez global de semicondutores, exacerbada pela pandemia, evidenciou ainda mais essa fragilidade, e a Alemanha, que sempre foi um pilar na produção de tecnologia de ponta, precisa urgentemente de um plano robusto para reforçar sua posição neste setor vital.
A falta de inovação e de investimentos em novas tecnologias pode, de facto, ser vista como um dos principais fatores que explicam o fraco crescimento da produtividade e a quebra na competitividade dos produtos alemães. A Alemanha, embora líder em algumas áreas de engenharia e manufatura de alta qualidade, tem enfrentado dificuldades para se adaptar rapidamente às mudanças tecnológicas globais, especialmente na digitalização e na automação, setores nos quais países como os EUA e a China estão a liderar.[12]
Problemas no Mercado de Trabalho e Demografia
A Alemanha também enfrenta problemas relacionados com o mercado de trabalho e com a demografia, desafios que também ajudam a explicar a perda de competitividade da economia alemã mas que impactam noutras vertentes. O mercado de trabalho alemão, outrora um dos pilares da estabilidade e da prosperidade económica do país, encontra-se hoje em transformação acelerada, impulsionado por dois fatores centrais: o envelhecimento da população e a crescente escassez de mão-de-obra qualificada. A estes problemas estruturais, soma-se um sistema de regulamentação laboral complexo, que muitas vezes dificulta a adaptação das empresas às novas exigências do mercado.
A Alemanha enfrenta uma mudança demográfica profunda. Com uma das populações mais envelhecidas da Europa, o país vê diminuir a sua força de trabalho ativa ano após ano. Segundo projeções do Statistisches Bundesamt, a população em idade ativa deverá cair entre 1,6 e 4,8 milhões até meados da próxima década, com o número de pessoas em idade de reforma (67 anos ou mais) a aumentar em cerca de 4 milhões, para pelo menos 20 milhões.[13] O índice de envelhecimento (número de pessoas com 65 anos ou mais por cada 100 pessoas com idade entre os 20 e os 64 anos) aumentou de forma acentuada: de 26,8 em 2000 para 37,9 em 2023 (+41%).[14]
Este fenómeno tem um impacto direto no mercado de trabalho. A escassez de mão-de-obra qualificada tornou-se uma das maiores preocupações das empresas alemãs, especialmente em setores críticos como engenharia, tecnologias da informação, saúde e cuidados a idosos. A ausência de profissionais com competências adequadas está a limitar o crescimento económico e a reduzir a capacidade produtiva da economia alemã, num momento em que esta já enfrenta desafios significativos no plano internacional. A situação torna-se ainda mais crítica quando se considera que a transição energética e digital exige novas qualificações que grande parte da força de trabalho atual ainda não possui.
Outro entrave importante está na estrutura regulatória do mercado de trabalho. A Alemanha tem um sistema laboral altamente regulamentado, com leis que visam proteger os trabalhadores, mas que, na prática, muitas vezes dificultam a flexibilidade das empresas. A rigidez contratual, os encargos elevados sobre a contratação e as barreiras à flexibilização do tempo de trabalho tornam mais difícil para as empresas reagirem com agilidade às mudanças nas condições do mercado. Isto afeta especialmente startups e pequenas e médias empresas (PME), que representam a espinha dorsal da economia alemã.[16][17][18]
Burocracia
A burocracia é um dos entraves mais frequentemente apontados por empresários e investidores que atuam na Alemanha. Embora o país seja conhecido pela sua organização e previsibilidade jurídica, o excesso de procedimentos administrativos e a rigidez regulatória têm vindo a comprometer a agilidade necessária para a inovação e o crescimento empresarial. Startups e PME, que dependem de ciclos curtos de decisão e adaptação, enfrentam dificuldades significativas ao lidar com processos longos e complexos para abrir, expandir ou mesmo operar um negócio.
Um dos aspetos mais problemáticos é a lentidão na digitalização dos serviços públicos, o que prolonga ainda mais os trâmites burocráticos. Apesar dos avanços recentes, a Alemanha ainda exige, em muitos casos, documentação em papel, assinaturas físicas e atendimento presencial para processos como o registo de empresas ou pedidos de licenciamento.[19][20] A falta de interoperabilidade entre os sistemas dos diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal) agrava essa situação, criando redundâncias e aumentando o tempo e os custos administrativos.[21]
Além disso, o excesso de regulamentações ambientais, embora justificável do ponto de vista da sustentabilidade, tem gerado atrasos significativos em projetos estratégicos para a economia. O processo de licenciamento ambiental pode durar vários anos, especialmente em setores como energia, transporte e construção civil. Projetos de expansão de infraestruturas ferroviárias ou instalação de parques eólicos, por exemplo, muitas vezes ficam paralisados por disputas legais e exigências regulatórias altamente detalhadas, mesmo quando são alinhados com os objetivos climáticos nacionais.[22][23] Essa rigidez regulatória compromete não só a atratividade da Alemanha como destino de investimento, mas também a sua capacidade de modernização.
Inflação e Política Monetária Restritiva
Nos últimos anos, a Alemanha, assim como muitos outros países, tem enfrentado um período de inflação elevada. A pandemia, a guerra na Ucrânia, a impressão monetária e as interrupções nas cadeias de abastecimento globais contribuíram para o aumento dos preços, especialmente da energia, das matérias-primas e no setor alimentar. Esse período inflacionário gerou impactos diretos no consumo e no investimento, afetando o poder de compra das famílias e aumentando os custos operacionais das empresas.
A inflação elevada tem pressionado o consumo interno, uma das principais fontes de crescimento económico da Alemanha. Com os preços mais altos, os consumidores reduziram os seus gastos, priorizando produtos e serviços essenciais, o que impactou diretamente o setor de bens duráveis e não essenciais. Além disso, a incerteza sobre a estabilidade económica e o aumento do custo de vida afetou a confiança dos consumidores, resultando numa desaceleração da procura no mercado interno.
Em resposta à inflação crescente, o Banco Central Europeu (BCE) adotou uma política monetária mais restritiva, com um aumento significativo nas taxas de juros. Esse aumento visava combater a inflação ao encarecer o crédito e ao reduzir o consumo e investimento. Com taxas de juros mais altas, o crédito para os consumidores e empresas tornou-se mais caro, desencorajando tanto o consumo das famílias quanto o financiamento de novos investimentos por parte das empresas. A intenção do BCE era controlar a pressão da procura sobre a oferta, garantindo que os preços não saíam de controle, mas obviamente que teve e tem um impacto na economia e no crescimento económico.
6. Quais as perspetivas para o futuro e possíveis soluções?
A economia alemã, embora continue a ser uma das mais poderosas do mundo e a mais influente da União Europeia, enfrenta hoje um momento de viragem. A desaceleração do crescimento, os desafios estruturais internos e as mudanças no cenário global têm alimentado preocupações sobre a sua capacidade de manter o protagonismo nas próximas décadas. O futuro dependerá, em grande medida, da capacidade da Alemanha de se adaptar e implementar reformas profundas.
Nas últimas décadas, a Alemanha construiu uma economia altamente orientada para as exportações e dependente da indústria tradicional, especialmente automóvel, maquinaria e química. No entanto, o contexto global está a mudar rapidamente, com novas potências emergentes, a intensificação da concorrência internacional e a transição digital e energética, o que pode colocar o país numa posição de crescente desvantagem competitiva, ameaçando o papel da Alemanha como líder global. A perda de relevância pode também decorrer da falta de dinamismo em setores-chave para o futuro, como a inteligência artificial ou os semicondutores, áreas em que países como os EUA e a China têm avançado com mais rapidez.
Um dos principais desafios da Alemanha é modernizar a sua economia sem perder as bases que garantiram a sua força histórica. Reformas estruturais profundas são necessárias para aumentar a competitividade, reduzir a burocracia, modernizar a administração pública e criar condições mais atrativas para novos investimentos. Essas reformas devem também incidir sobre o mercado de trabalho, diminuindo a rigidez de certos aspetos da legislação laboral que dificultam a criação de novas empresas e a flexibilidade das empresas existentes para se adaptarem a novos contextos. A simplificação de processos administrativos, o investimento na digitalização da administração pública e uma maior integração entre educação e necessidades do mercado são cruciais.
A aposta na inovação terá de ser um dos principais pilares para revitalizar a economia alemã. Embora o país disponha de centros de excelência em engenharia e investigação, há uma necessidade crescente de incentivar startups, empresas tecnológicas e projetos ligados à transição digital. O fortalecimento da cultura empreendedora, com menos barreiras ao acesso a financiamento e mais incentivos para a inovação, será essencial. Além disso, o reforço da ligação entre universidades, institutos de pesquisa e o setor privado pode acelerar o desenvolvimento de soluções tecnológicas com aplicação prática e competitiva a nível global.
A Alemanha enfrenta atualmente um dos maiores desafios demográficos da sua história recente: o envelhecimento acelerado da população e a consequente escassez de mão-de-obra, sobretudo qualificada. Esta realidade coloca em risco a sustentabilidade do sistema de pensões, a produtividade das empresas e a capacidade de inovação. Para enfrentar este problema, será crucial uma maior aposta na automação e/ou um melhor aproveitamento da imigração. A automação, através da adoção de tecnologias como a inteligência artificial e a robótica, pode compensar a falta de trabalhadores em setores-chave, aumentar a eficiência produtiva e reduzir a dependência de mão-de-obra humana. Ao mesmo tempo, uma política migratória mais eficaz e inclusiva — que facilite o reconhecimento de qualificações estrangeiras e promova a integração no mercado de trabalho — permitirá à Alemanha atrair e reter talentos internacionais, ajudando a colmatar lacunas imediatas e a fortalecer a competitividade a longo prazo.
Outro aspeto crítico será a reavaliação do sistema fiscal, especialmente no que diz respeito à elevada carga fiscal suportada por empresas e cidadãos (acima dos 40% do PIB), bem como à complexidade burocrática associada. Numa altura em que é essencial criar condições mais favoráveis ao investimento e ao consumo, torna-se urgente aliviar essa pressão. A redução da carga fiscal sobre as empresas (Alemanha tem a segunda maior taxa máxima de IRC e a segunda maior taxa efetiva de IRC entre os países europeus da OCDE, logo atrás de Portugal em ambos os casos), pode aumentar a margem de investimento, fomentar a criação de emprego e estimular a competitividade. Do lado das famílias, o alívio fiscal pode impulsionar o consumo interno e reforçar o poder de compra, contribuindo para dinamizar a economia nacional. Além disso, a simplificação do sistema fiscal e a redução da burocracia associada aos processos administrativos podem melhorar significativamente o ambiente de negócios. Uma política fiscal mais leve, eficiente e direcionada poderá também atrair mais investimento estrangeiro e incentivar o empreendedorismo — fatores-chave para revitalizar o crescimento económico da Alemanha num contexto de estagnação e transformação estrutural.
A Alemanha deve continuar a posicionar-se como líder na transição energética e climática, aproveitando o seu potencial industrial e tecnológico para impulsionar uma economia verde e sustentável. No entanto, essa transição deve ser conduzida de forma mais ponderada e estratégica. A substituição progressiva de fontes fósseis por energias renováveis é fundamental para cumprir metas ambientais e reforçar a autonomia energética, mas não pode comprometer a segurança do abastecimento nem colocar em risco a competitividade da indústria alemã. A saída abrupta da energia nuclear e a rapidez com que se pretende encerrar as centrais a carvão levantaram — e continuam a levantar — preocupações quanto à estabilidade da produção energética e ao aumento dos custos para empresas e famílias. Por isso, será essencial garantir uma transição equilibrada, que combine ambição climática com pragmatismo económico — através de investimentos robustos em infraestruturas de energia renovável, reforço das redes elétricas, desenvolvimento do hidrogénio verde e mecanismos de apoio à adaptação das indústrias mais expostas, mas também uma redução mais progressiva das fontes de energia fósseis, evitando mudanças demasiado abruptas que possam prejudicar a economia.
A Alemanha, enquanto motor económico da União Europeia, pode beneficiar grandemente de uma maior integração económica no espaço europeu. Estimular cadeias de valor partilhadas, promover investimentos conjuntos em inovação e liderar a criação de um verdadeiro mercado único digital e energético pode não só fortalecer a coesão europeia, como também potenciar ganhos económicos através de maior escala e especialização.
A elevada dependência de mercados específicos (como a China, em setores como a maquinaria e o automóvel) tem-se revelado um risco. A Alemanha poderá diversificar as suas relações comerciais, promovendo acordos com mercados emergentes e fortalecendo relações com parceiros tradicionais. Paralelamente, deve fomentar uma reindustrialização estratégica, especialmente em áreas tecnológicas críticas (como baterias, chips, energia), reduzindo vulnerabilidades nas cadeias de abastecimento.
7. Conclusão
A Alemanha enfrenta desafios significativos que, se não forem adequadamente enfrentados, podem afetar severamente a sua posição como líder económico mundial. Estas questões não se limitam às suas fronteiras: têm implicações profundas para os restantes países da União Europeia, incluindo Portugal, dada a interdependência económica e comercial no espaço europeu.
Perante este cenário, a resposta não pode passar apenas por mais investimento público ou por políticas setoriais isoladas. A verdadeira recuperação exige uma revalorização da liberdade económica como pilar central da estratégia de crescimento — com menos burocracia, menor carga fiscal, maior flexibilidade laboral e um ambiente mais favorável ao investimento e à inovação.
A Alemanha precisa de uma economia mais aberta, dinâmica e competitiva. A tão necessária reforma estrutural deve andar de mãos dadas com a promoção do empreendedorismo e da iniciativa privada. Só assim será possível enfrentar os desafios demográficos, tecnológicos e energéticos que moldam o futuro da Europa. Apostar na liberdade económica não é apenas uma opção ideológica — é uma necessidade estratégica para garantir prosperidade sustentável.
Referências
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[2] Santos, S., Dores, V. (2018). “A Industria Automóvel na Economia Portuguesa”, Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia.
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[4] “Maior exportador nacional faz 30 anos. Investimento público na Autoeuropa até foi baixo”, RR (11/2021).
[5] “EDP escolhida pela ALDI Portugal para maior parceria de mobilidade elétrica da rede pública nacional”, EDP (10/2024).
[6] “Moeve oferece mais de 90.000 pontos de carregamento elétrico na Europa através de acordos de interoperabilidade”, EPCOL (02/2025).
[7] Fundo Monetário Internacional (link).
[8] “What are Germany’s nuclear, coal and fossil gas phase-out strategies?”, Agora Energiewende (02/2025).
[9] “Statusupdate zum Stand der Energiewende”, Expertenkommission zum Energiewende-Monitoring (03/2025).
[10] “Germany to face challenges to energy supply security in coming years – govt advisors”, Clean Energy Wire (03/2025).
[11] “Germany May Need to Keep Reserve Coal Plants Longer Than Planned”, Bloomberg (01/2025).
[12] “Germany Modernizes Automation Amid New Challenges”, Business Wire (01/2023).
[13] Statistisches Bundesamt (link).
[14] “Demographic Aging and Long-Run Economic Growth in Germany”, German Council of Economic Experts (02/2024).
[15] “Causes Behind Germany’s Worker Shortage”, Sperton (02/2025).
[16] Ferrari, F., Bertolini, A., Borkert, M. & Graham, M. (2024). “The German platform economy: Strict regulations but unfair standards?” Digital Geography and Society, 6.
[17] Schneider, H. (2019). "The labor market in Germany, 2000–2018", IZA World of Labor, Institute of Labor Economics (IZA), pp. 379-379, December.
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[21] “Federalism, legal fragmentation and register modernisation: challenges for the digital transformation of public administration in Germany”, Jonas Botta - Ceridap (12/2022).
[22] “German wind energy buildup collapsing”, DW (04/2019).
[23] “Germany: Latest Renewables Law will hold back expansion of onshore wind”, Wind Europe (01/2021).
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